Escoliótico | Uma reflexão seis anos depois

Como encarar a vida carregando em seu corpo um problema de saúde que te limita não só fisicamente, mas também, emocionalmente e socialmente?

Há alguns dias venho pensando no que escrever aqui no blog. Já faz três meses e quatro dias que não escrevo aqui, o que não é novidade, mas também demonstra um certo desinsteresse em escrever algo. Todavia, a verdade é que há muito eu tenho passado por um bloqueio criativo que tem me afetado completamente e isso tem sido um transtorno constante porque, afinal, eu gosto de escrever, gosto do meu blog e gosto de ser lido. Enfrentar um bloqueio criativo é como enfrentar sua própria mente que, neste caso, instalou uma porta em sua entrada e a trancou impedindo o acesso de qualquer um a ela, inclusive você, o dono dela.

Não é fácil ser escritor. Apesar de meu blog não ser muito antigo, eu comecei o trabalho de ghostwriter muito antes de pensar no Epitáfios a Parte, lá em 2008, quando fiz meu primeiro trabalho. Mas, a vida secreta de ghostwriter é um tanto solitária e repleta de desencantos. Seu nome se faz conhecido somente em círculos privados porque, afinal de contas, ninguém quer ser descoberto como tendo contratado um escritor-fantasma para escrever o texto que esse tal alguém deveria ter escrito. Assim, sempre tive o desejo de escrever publicamente e para o mundo, fazer meu nome por assim dizer. A criação do Epitáfios é uma tentativa de alcançar isso ainda que eu não me esforçe tanto para divulgá-lo ou manter uma regularidade de publicações de textos aqui. Eu amo meu blog, amo meus textos, amo quando alguém lê algo escrito por mim e comenta algo a respeito. Adoro essa sensação de que sou lido por alguém, isso é muito gratificante.

Mas, voltanto à questão do bloqueio criativo, o fato é que estava matutando umas ideias antes de logar aqui no blog e acabei pensando em alguns temas que eu já havia tratado aqui. De repente, uma dor na coluna me fez pensar: por que não escrever sobre ela (outra vez)? Sim, eu já escrevi sobre minha coluna algumas vezes. Num desses textos (que você pode conferir aqui), eu falo sobre como era minha vida com a presença da escoliose em meu corpo. Naquela época, seis anos atrás, eu ainda tinha esperanças de que pudesse operar minha coluna e recuperar alguma qualidade de vida após isso. Mas, a verdade é que o tempo passou, as coisas avançaram, meu desvio piorou a tal ponto que há mais risco imediato operando do que fazendo nada. É uma história de frustração.

Frustração é algo um tanto constante em minha vida, mas, devido meu temperamento realista (alguns diriam pessimista), eu já me acostumei a lidar com ela. No entanto, quando se convive com um desvio de coluna de alto grau como o meu, é um tanto difícil ignorar o peso que ele impõe sobre sua vida. Eu tenho dores, tenho falta de ar, cansaço crônico, o estômago pressionado e meu disfragma distendido e esses são apenas alguns dos sintomas que tenho decorrentes da escoliose. Não me agrada muito falar sobre isso porque é um problema que me afeta fisicamente e emocionalmente, abala muito minha auto-estima e, não à toa, evito situações em que tenho que expor meu corpo ao público assim como o diabo foge da cruz.

Mas, assim como a surdez é uma constante na minha vida, a escoliose também o é. Não dá para ignorá-la, fingir que ela não existe. Como diz uma grande mentora de um grupo de PCDs auditivos de que faço parte, quanto mais você tenta esconder suas deficiências das outras pessoas, mais elas se tornam perceptíveis para os outros. Então, hoje, encarar minha escoliose é como enfrentar uma luta diária para sair do armário da reclusão. É muito difícil para mim aceitar meu corpo, aceitar essa realidade, aceitar que, muito provavelmente, tudo o que tinha para ser feito, foi feito. Eu me olho no espelho e me sinto triste porque dói na alma ver todas as suas deficiencias te encarando ali no espelho. Mas, é o meu corpo que me encara e esse corpo sou eu. Eu saí do armário da surdez a pouco tempo (coisa que foi muito incentivada pela Paula Pfeifer, criadora do site Crônicas da Surdez e do grupo Surdos que Ouvem) e isso tem sido uma experiência muito reveladora porque a forma como eu encarava minha surdez não era exatamente positiva, apesar de eu achar que estava tudo bem comigo. Com a escoliose, eu passo pelo mesmo processo e chego a considerá-lo ainda mais pesado do que a surdez porque, de certa forma, eu sempre me aceitei como surdo, apesar de não encarar de frente as dificuldades que a surdez me causa no dia-a-dia. Já com o desvio de coluna, a experiência tem sido mais dramática porque, além dos problemas fisiológicos em si, ainda tem toda a questão emocional envolvida no meio.

A foto que usei para o destaque deste post é de uma radiografia que fiz de minha coluna. Nela, pode-se ver perfeitamente como meu desvio se manifesta; uma enorme curva em S que começa na coluna cervical (pescoço) e desce até a coluna lombar (na cintura).

Mas, não existe superação se você insiste em se manter estagnado diante do problema que se apresenta a sua frente. Encarar a escoliose é muito difícil para mim e me gera sentimentos conflitantes porque, além de toda a dor que ela me causa, ainda tem as limitações no dia-a-dia decorrentes dela. Nos últimos meses, esse problema se tornou mas grave e agora, muitas vezes tenho de me locomover com o auxílio de bengala porque já não consigo sustentar meu corpo plenamente em pé. Eu me sinto impotente diante disso porque eu não posso simplesmente estalar os dedos e esperar que um milagre aconteça. Eu não sei o que será de mim num futuro próximo, já respiro com apenas um pulmão, não consigo esticar minhas costas completamente, que acabam ficando sempre corcundas etc.

Quando vejo outros companheiros PCDs (pessoa com deficiência) compartilhando suas vidas sem receios e sem se intimidarem por seus corpos fora do padrão, eu sinto uma inveja enorme porque eu realmente queria ser assim. Mas, os olhares tortos, os cochichos olhando para mim e os comentários maldosos sempre constantes minam completamente minha autoconfiança. Eu queria ser mais seguro de mim mesmo, não me importar com as reações das outras pessoas e seguir minha vida livre e pleno – mesmo com limitações – porque acho que essa é a maior conquista que podemos ter.

É por isso que aqui escrevo porque é o lugar onde me sinto seguro para falar de mim e de minhas questões pessoais e existenciais. As pessoas precisam disso, de exorcisar seus demônios e se liberarem de toda a carga negativa que seus medos e receios impõem sobre si. Não digo que me amo por completo, mas cada passo que dou rumo a sair do armário me faz perceber como viver na escuridão da autopiedade pode ser destrutivo.

Um abraço!

Autor: Pedro H.C. de Sousa

Uma sombra daquilo que um dia eu fui.

Deixe um comentário

Electronic Maze

Venha se perder nesse labirinto e encontre a arte em você

Epitáfios a Parte

O que ninguém vê quando você está só.

VISCERAL BRANDS

DEEPMEANING BRANDBUILDING